quinta-feira, 26 de julho de 2012

Stanley Kubrick e suas obras inovadoras

O cinema nunca mais foi o mesmo depois dos filmes dirigidos pelo perfeccionista Stanley Kubrick. A diferença que ele fez no mundo do cinema será demonstrada através da analises de suas obras.

Ontem (dia 26 de Julho), Stanley Kubrick faria 84 anos se estivesse vivo. Para celebrar essa data, será interessante mostrar um pouco de sua filmografia e quem era esse gênio da sétima arte.
Kubrick nasceu em 1928 no Condado de Bronx, em Nova Iorque. Ele nunca foi um estudante aplicado na infância, suas notas eram relativamente baixas e ele não costumava fazer as lições. Mas seu pai percebia que, apesar da irregularidade de sua vida estudantil, ele possuía uma mente criativa e que precisava ser encorajada. Seu pai então começou a ensinar xadrez (Kubrick depois se tornou um especialista) e deu a ele sua primeira máquina fotográfica.
Kubrick iniciou sua trajetória de cineasta aos 22 anos, com curta-metragens. Seu primeiro longa foi aos 25 anos com grande auxílio financeiro do pai, mas o próprio Kubrick considerou um trabalho amador e tratou de tirá-lo de circulação. Mesma coisa aconteceu com seu segundo filme, mas no terceiro, "O Grande Golpe", ele começou a ganhar mais notoriedade. "Glória deita de sangue", de 1957, foi uma adaptação da novela homônima e claramente era antiguerra, mostrando a covardia e a sede de sangue das pessoas envolvidas. Por isso esse filme foi proibido em alguns países, como a França. Mas ele conseguiu atrair público e ganhar popularidade. Nos anos seguintes, Kubrick foi se especializando e acabou desenvolvendo clássicos atrás de clássicos. A seguir veremos a sinopse e uma breve analise de alguns de seus filmes mais importantes em ordem cronológica.


Lolita (1962) - A adaptação de Kubrick para o romance de 1955 do escritor russo Vladimir
 Nobokov sobre uma relação entre um homem de meia-idade e sua enteada de 12 anos. Apesar de originalmente ser uma produção que mostraria uma clara situação de pedofilia, a censura da época fez com que houvessem apenas sutis sugestões de um envolvimento sexual. O que não diminui o erotismo e a tensão de um "amor proibido". Uma das cenas mais lembradas do filme é de Humbert (James Manos) pinta as unhas dos pés de uma provocante Lolita (Sue Lyon). As curiosidades do filme é que ele não segue ao pé da letra o romance russo, além da questão da pedofilia. O filme não acontece pela ordem cronológica, o que origina um grande flashback. Outra diferença é a idade de Lolita, que no filme ela tem 14 anos para diminuir o "choque" da relação.

Dr. Fantástico (1964) - Esse é uma obra-prima, repleta de humor negro e piadas sobre planos de guerra, política e bomba atômica. O nome do filme original é "
DrStrangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb" (algo como Dr. amor estranho ou: como eu aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba), ou seja, um título nem um pouco comercial. Quem se destaca nesse é o genial Peter Sellers (aquele mesmo que trabalhou em comédias como "Um Convidado bem trapalhão" e os filmes da "Pantera cor-de-rosa". Ele havia trabalhado com Kubrick em Lolita e ganhou mais espaço nesse filme). Peter Sellers não é só um simples protagonista, ele se divide em papéis totalmente diferentes. Charlie Chaplin, por exemplo, já fazia isso em filmes como "O grande ditador" (em que Chaplin era o ditador e o cabelereiro judeu), mas nunca antes dessa forma inovadora, que nem parece que é o mesmo ator interpretando os personagens. O detalhe é que Sellers interpreta não dois, mas três personagens! Eles são: o capitão e oficial britânico Lionel Mandrake, o ex-cientista nazista especialista em bomba atômica, que com o fim do Terceiro Reich se tornou conselheiro dos americanos, Dr. Strangelove (Dr. Fantástico) e o presidente americano Merkin Muffley.
Destaque para o braço incontrolável do Dr. Fantástico, que faz a saudação nazista como um "tique nervoso".
O filme é baseado num romance chamado Red Alert, de Peter George, sobre a Guerra Fria. O filme satiriza o horror causado pela ameaça da bomba nuclear de uma forma irônica e sagaz. A genialidade de Kubrick é explorada de uma forma muito mais intensa que Lolita. Talvez esse seja um dos filmes mais irônicos do cinema, mas é preciso prestar atenção para "pescar" as piadas mais sutis.

2001 - Uma odisseia no espaço (1968) - Admito que esse nunca foi um dos meus favoritos, mas a sua importância para o cinema é inegável. Para ver esse filme, é preciso se deixar levar pela imaginação e pela outra dimensão captada por Kubrick através dos sons e luzes. O tema central é a evolução humana e o futuro, com as novas descobertas tecnológicas e realismo científico. Ele possui o mínimo de diálogo possível e imagens ambíguas, com uma fotografia de brilhar os olhos e sons intensos como uma ópera. A transição do osso para a espaçonave (do macaco para o homem) é algo que demonstra as mudanças que a humanidade passou (e que ainda irão passar) nesse filme quase surrealista de ficção-científica. O destaque vai para o computador HAL, ironicamente, o personagem mais carismático e divertido.



Laranja Mecânica (1971) - Esse é indiscutivelmente um dos filmes com mais repercussão de Kubrick e do cinema mundial. Isso com um orçamento de 2,2 milhões de dólares, ínfimo perto de outras produções que não chegaram nem perto do alvoroço causado por Laranja Mecânica. O diretor realmente deu um destaque enorme ao protagonista Alex DeLarge (interpretado brilhantemente por Malcolm McDowell, que ficou eternizado pelo personagem). Ambientado numa época futura da Inglaterra, Alex é líder de uma gangue que sente prazer em estuprar, roubar, agredir e causar todo o tipo de baderna. Com seus visuais excêntricos e seu linguajar próprio, a gangue de Alex é adepta da chamada "ultra-violência" (que depois se tornou um estilo próprio de filmes, como "Clube da Luta" e os do Tarantino). Alex é muito carismático e igualmente "malévolo". No filme ele estupra como se estivesse dançando com a vítima, chicoteia Jesus Cristo e é torturado por policiais. Alex acaba apreendido após um assassinado e é submetido à experimentos para controlar os seus desvios delinquentes. É uma obra que mostra a violência do indivíduo e do Estado. Destaque para a sonoridade do filme, Alex não consegue ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven (a sua favorita) depois de ser cobaia, Bethoveen aliás era a música de fundo enquanto ele estuprava uma mulher. Ele também destrói um lugar cantando "Singing in the Rain". Esse recurso de colocar músicas em conjunto com um ato estranho à ela, foi um recurso usado por Kubrick em outros filmes.

Barry Lyndon (1975) - Esse provavelmente é um dos filmes menos aclamados de Kubrick, mas é uma obra-prima que vale a pena assistir. Os 184 minutos de duração são de pura arte e atuação. Baseado no romance de William Makepeace Trackeray. A iluminação desse filme foi feita inteiramente por velas e luzes naturais, Kubrick teve que utilizar uma lente da NASA para conseguir o efeito desejado. Esse filme é um épico que retrata a ascensão e queda de Barry Lyndon. Redmond Barry é um jovem pedante irlandês que se apaixona por sua prima já comprometida. Barry refugia-se em Dublin e ingressa no exército, após algumas batalhas, é capturado e acaba se tornando espião da Prussia. Lá ele tem um caso com a Senhora Lydon, que está prestes a se tornar viúva. Assim ele começa a atingir a aristocracia que ele tanto almejava.
O filme é um épico que mostra como a vida de um rapaz sobe e desce de uma forma intensa, captando todos os momentos com maestria. Esse filme foi metódico e todas as cenas foram controladas de uma forma que ficassem o mais próximo da perfeição possível. Alguns críticos chegaram a dizer que Barry Lyndon não é apenas um filme, e sim um livro ilustrado, de tão grandioso.

O Iluminado (1980) - Eu sou suspeito para falar, já que esse é um dos meus filmes favoritos. É uma adaptação do livro homônimo do "rei do terror" Stephen King (apesar que o autor não ficou totalmente satisfeito com o filme por não ter sido tão fiel ao livro em algumas partes). Jack Torrance (interpretado de forma genial por Jack Nicholson, que, com suas caretas e seu jeito para interpretar psicopatas alucinados, como já havia feito em "Um estranho no ninho", ganhou notoriedade) é um escritor que leva a sua mulher e o seu filho para viver num luxuoso hotel nas montanhas, fechado no inverno. Lá ele irá trabalhar como caseiro no período que estará fechado. O hotel esconde segredos terríveis e, aos poucos, Jack vai ficando mais insano, seu filho Danny começa a ter visões e a falar com vozes interiores e a esposa acaba tendo que lidar com o terror do lugar. Banhos de sangue, possessões, gêmeas estranhas, um quarto proibido e a cena clássica da machadada na porta são apenas alguns ingredientes desse clássico do terror psicológico. Um detalhe que muitas vezes é passado por cima são as menções ao massacre da população nativa americana. O hotel foi construído em cima de um cemitério indígena, há latas de fumo indígena na despensa e o baile-fantasma acontece num 4 de Julho, dia da independência dos Estados Unidos. Essa é uma obra para ser vista várias vezes, pois cada vez surgem novos detalhes e interpretações.

Nascido para matar (1987) - Esse poderia ser apenas mais um filme sobre a Guerra do Vietnã, se não fosse a genialidade de Kubrick. Dividido em duas partes, ambas contadas sob o ponto de vista do soldado Joker (Coringa, em bom português). A primeira mostra o recrutamento de jovens para o exército sob a tutela do rígido e intimidador sargento Hartmann (parodiado várias vezes em desenhos e outros filmes), Lá, um dos jovens (chamado de Gomer Pyle pelo próprio sargento) claramente não está apto para servir. Ele está fora de forma, desajeitado e muito atrás dos outros soldados, que acabam sendo punidos também pela falta de comprometimento de seu colega. A segunda parte mostra a guerra do Vietnã em si, com Joker como correspondente de um jornal militar, cobre a guerra junto de outros soldados.
A primeira parte, na minha opinião, é infinitamente melhor, pois Gomer Pyle e o sargento Hartmann roubam a cena, são personagens memoráveis e com atuações maravilhosas e intensa. Justamente na primeira parte Kubrick acaba utilizando o tema da desumanização, com soldados enlouquecendo por conta da rigidez do treinamento. A segunda parte também é interessante, e Kubrick utiliza do mesmo recurso da trilha sonora já mencionado no Laranja Mecânica. Aqui ele utiliza a engraçada e irritante "Surfin' Bird" (conhecida popularmente como "Bird is the word") do The Trashmen enquanto os soldados atiram contra os vietnamitas. O penúltimo filme de Kubrick é uma grande crítica aos próprios americanos, principalmente pelo irônico cântico dos soldados no final. Vale muito a pena assistir.

De olhos bem fechados (1999) - O último filme de Kubrick foi filmado 12 anos depois e é um thriller sexual. Novamente Kubrick mostra a sua paixão pela música clássica através da "Valsa 2" de Shostakovich, parte da trilha sonora do filme. A história mostra a mentira da sociedade e as vidas secretas. As pessoas usam máscaras para esconder a sua verdadeira natureza. Inspirado no "Breve romance de sonho", de Arthur Schnitzler, a história mostra um casal da alta sociedade, Alice Harford (Nicole Kidman) e Dr.Bill Harford que tem vidas "perfeitas". Até que eles vão para uma festa e Bill é paquerado por modelos e Alice por um húngaro. Eles acabam discutindo e jogando na cara um do outro a raiva reprimida deles, até que Alice diz que deveria ter ficado com um homem que ela havia conhecido há um tempo atrás. Dr. Bill acaba se tornando melancólico e procurando se conhecer, com seus desejos mais íntimos. Nesse momento, surpreendentemente, um amigo médico acaba introduzindo Bill numa estranha convenção restrita, um universo singular e secreto que possui membros mascarados, senhas e rituais estranhos. Esse é um filme para se assistir atentamente e fecha com chave de ouro a brilhante trajetória de Kubrick nos cinemas. Ele morreu em 7 de março de 1999 de ataque cardíaco, pouco antes da finalização e do lançamento do filme. A genialidade do olhar atento de Kubrick e seu estilo totalmente único e inovador nunca mais foram esquecidos.







 



terça-feira, 24 de julho de 2012

O antes e o depois da popularização do termo bullying no Brasil

Uma reflexão sobre a existência do bullying antes desse termo se tornar popular e ganhar a proporção que tem nos dias de hoje.

Nos dias de hoje, o termo bullying se popularizou e a maioria das pessoas sabe o que ele significa. Primeiramente vamos entender a palavra em si. Bullying é proveniente da expressão bully, que quer dizer "valentão" em inglês. O "ing" no final da sentença é o gerúndio (por exemplo, "do" em inglês é "fazer", "doing" é "fazendo") . Ou seja, bullying significa o ato que o valentão realiza contra suas vítimas. Essas ações consistem em causar dor física e/ou psicológica de forma repetitiva, angustiante e humilhante, geralmente diante dos outros, pois o valentão procura se sentir superior diante das pessoas que ele considera mais "fracas" através de meios violentos e depreciativos.

Esse termo já era bastante utilizado em outros países (sendo o principal os Estados Unidos), mas no Brasil, essa expressão demorou para ser popularizada, mas quando ela apareceu, não saiu mais do vocabulário dos brasileiros. Leis e campanhas contra o bullying surgiram aos montes nos últimos anos. Mas por que demorou tanto para essa questão aparecer no Brasil sendo que o bullying sempre aconteceu, principalmente nas escolas?

Na minha época de escola, já haviam os valentões, que eram populares e tinham vários apoios de colegas para as suas praticas maldosas. Eu já sofri, e muita gente passou por isso também. São marcas humilhantes e traumas que ficam para o resto da vida. E não havia incentivo para denunciar, comprometimento de autoridades nos colégios, leis contra esse tipo de violência. Eu já sofri inclusive por parte de um professor (que não lembro o nome e certamente não divulgaria por aqui), que me chamava de "terrorista", que dizia que eu iria armado pro colégio qualquer dia, que eu era um fracote, incentivava os outros a me baterem e me xingarem. E eu não contei pra ninguém, pois eu era uma criança e não sabia o que estava acontecendo. E eu, assim como muita gente, nem fazia ideia da existência do termo bullying nessa época.

O bullying é, e sempre foi, uma questão seríssima que deve ser tratada com todo o cuidado. No Brasil, juntamente com essa ascensão das campanhas contra a prática do bullying, surgiram milhares de denúncias e, nem todas, são realmente sérias. Tudo bem que quem deve designar a seriedade da situação é quem se sente agredido, mas muita gente acaba tratando como bullying situações cotidianas, como um esbarrão acidental no meio da rua, um apelido inofensivo que um amigo deu num dia como forma de brincadeira, um xingamento qualquer num momento de irritação. É preciso lembrar que o bullying é um ato feito para humilhar e rebaixar uma pessoa numa relação desigual de poder, deixando a vítima numa situação embaraçosa. Machucada por dores físicas e/ou principalmente com cicatrizes mentais e psicológicas. Portanto, nem tudo deve ser banalizado e caracterizado como bullying, é preciso ter atenção e saber diferenciar uma situação banal que pode ser resolvida com algo repetitivo e depreciativo.

As marcas causadas pelo "verdadeiro" bullying podem ser devastadoras na mente de uma pessoa que sentiu na pele a dor e a tortura das vítimas. Muitos assassinos, psicopatas e serial killers sofreram bullying (não que esse seja o único e predominante fator para os seus crimes), como Jeffrey Dahmer e os atiradores de Columbine. O bullying também pode agravar vários transtornos psicológicos, como depressão, ansiedade, fobia social e tendências suicidas. Essa questão já levou vários jovens a cometerem ações extremas, como isolamento social, autoflagelo e suicídio.

Dois filmes que retratam bem o bullying na sua forma mais grave e visceral são: bully, de 2001, e bang bang! você morreu, de 2002. Os dois são inspirados em casos reais.
O primeiro retrata um assassinato de um valentão que maltratava, estuprava, humilhava e agredia seus "amigos", que resolvem se vingar e armam uma emboscada. Todos foram presos (alguns sentenciados a prisão perpétua). A sensação de tortura e a angústia dos atores é bastante intensa.
O segundo mostra uma escola em que o bullying é algo corriqueiro e os valentões (a maioria jogadores populares do time de futebol) se aproveitam para perseguir estudantes como o protagonista, que é tratado como um terrorista por conta de um atentado anterior. Um professor de teatro surge como a salvação com uma peça chamada "bang bang! você morreu", sobre como o bullying e maus tratos podem mexer com a cabeça de um jovem. Mas a peça não é bem aceita na escola a princípio por conta do título violento.Esse filme é essencial para quem quer entender a gravidade dessas agressões causadas pelo bullying.

Portanto, o bullying sempre existiu em todos os lugares do mundo, mas demorou muito para surgirem medidas protetivas para as vítimas e punições mais severas para os praticantes dessa atitude hedionda no Brasil. Espero que as pessoas pensem duas vezes antes de perseguir e fazer o mal para os outros, pois as consequências podem ser irreparáveis.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O velho medo do novo

A condição humana de sentir medo de novas situações numa vida controlada pela rotina

O homem convive constantemente com diversas emoções durante a sua vida. A vida é como uma montanha-russa, existem momentos felizes e momentos tristes. São esses altos e baixos que fazem com que a vida seja emocionante, afinal, se a linha da vida fica constante, significa que a pessoa está morta. As emoções de um ser humano não se resumem apenas a felicidade e tristeza. Existem milhares de emoções que inclusive são sentidas simultaneamente. Desejo, determinação, dúvida, preguiça, esperança, cansaço, ambição, ciume... Enfim, há inúmeros exemplos de sentimentos que estão presentes na vida de todos em alguma determinada situação. Mas uma das emoções mais complexas e mais presentes é o medo. Por mais corajosa que a pessoa seja, o medo habita a vida dela mesmo sem ela perceber com clareza. O medo extremo de alguma determinada situação é chamada de fobia. Existem vários tipos de fobias: agorafobia (medo de estar em lugares públicos cheios), fobia social (medo de estar exposto diante do olhar de outras pessoas) e fobias simples (aracnofobia, acrofobia...).
Um dos mais comuns é o medo do novo. As pessoas costumam sentir medo do desconhecido, de não saber em que território ela está pisando. O novo pode ser muito bom, mas é preciso dar o primeiro passo para conhecer e descobrir. Algumas pessoas tem mais facilidade em driblar essa questão, sentem o frio na barriga e dão a cara à tapa. Mas muitas outras pessoas ficam paralisadas quando é necessário um enfrentamento de uma situação desconhecida. Todo esse pavor é causado pelo conforto. A vida segue uma rotina constante e qualquer mudança é motivo de preocupações e temores, porém, como já foi dito, essa constante da linha da vida é justamente o sinônimo de morte. O problema é que as pessoas já são habituadas à buscar uma estabilidade completa, querendo ter resposta para tudo e não deixando que haja surpresas no meio do caminho.
O temor do desconhecido culmina com uma questão: o medo de agir e do que os outros vão pensar. Uma questão muito bem levantada pelo meu colega estopiniano Gessony, é que muitas pessoas usam as redes sociais, tão popularizadas nessa era digital, para se promover e para se mostrar para o mundo. Mas numa sociedade que prioriza cada vez mais as aparências, a grande maioria faz isso de uma forma quase que "neutra", com receio de colocar suas opiniões verdadeiras e críticas, por conta do medo de réplicas, discordâncias e de "o que os outros irão pensar". O mundo deveria prezar pela diversidade de opiniões e pela capacidade de apreciar o frio na barriga que dá enfrentar uma situação de risco, mas não é o que normalmente acontece.
Uma frase de Clarice Lispector explica bem essa questão do medo do novo: "Tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação."
Mas, paradoxalmente, há outra frase de Clarice que fala sobre procurar se desvencilhar do medo e ir ao encontro de novas experiências na vida:
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento".
Ou seja, todos temos medos de agir em algumas situações que exploram o novo, mas todos temos que superá-los em algumas ocasiões para podermos aproveitar plenamente a vida. O cotidiano e a acomodação não podem dominar o homem por completo, a esperança de boas novas e a criatividade é que devem tomar mais espaço. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

E você, devolveria?

Morador de rua acha bolsa com 20 mil reais e devolve à polícia de São Paulo porque sua mãe o ensinou a nunca pegar o que não é seu.

Uma notícia chamou a atenção da grande mídia por conta de um ato de cidadania. Um casal de moradores de rua de Tatuapé, em São Paulo, foram acordados por volta das 3 e meia da manhã por um alarme de uma empresa de ferragens e uma movimentação perto do local aonde eles estavam, na Radial Leste. Ao dar uma olhada no que estava acontecendo, eles encontraram uma bolsa jogada na grama. Para o espanto deles, ao abrirem, encontraram sacos de lixo e envelopes cheios de dinheiro. Haviam 17 mil reais em notas e 3 mil reais em moedas.
Eles poderiam muito bem ter se apossado do dinheiro que mudaria a vida deles, já que eles viviam embaixo do viaduto e ganham dinheiro e comida de doações e de cerca de 15 reais que o homem ganha por dia como catador de produtos recicláveis. Mas a consciência deles falou mais alto, e eles pediram para ligarem para o 190 para que pudessem devolver o que acharam.
A polícia, que também se surpreendeu com a atitude do casal, descobriu que o dinheiro era fruto de roubo de um restaurante de comida japonesa. Esse dinheiro havia sumido do estabelecimento na semana passada.
Os proprietários são do restaurante Hokkai Sushi, que faz parte do Grupo Itiban, que engloba frigoríficos e peixarias. Os sócios do restaurante ficaram muito felizes ao recuperar os seus pertences, admirando os dois simpáticos moradores de rua que, por mais que tenham inúmeras dificuldades, fizeram uma boa ação.
O casal ficou "famoso" de um dia para o outro. Todos os veículos de comunicação ficaram em cima deles para fazer entrevistas, matérias, dar auxílio e mostrar a história de vida dos dois. Mas nem tudo são flores, eles foram ameaçados por um sujeito que passava ali perto, dizendo que não era para eles terem entregado o dinheiro para a polícia e ficaram amedrontados, querendo ir embora de lá. O rapaz foi detido como suspeito de ser um dos autores do roubo do restaurante, enquanto o casal foi abrigado em um hotel para proteção e para que tudo seja melhor investigado.
Apesar disso, o casal continua pela região desfrutando dos benefícios de sua bondade. Rejaniel de Jesus da Silva Santos, de 36 anos (que veio do Maranhão para trabalhar como pedreiro com o irmão, se casou e teve um filho, mas perdeu os contatos e o emprego, passando a viver na rua) e sua companheira Sandra Regina Domingues, que não sabe a sua própria idade, receberam mais que agradecimentos. Depois de anos comendo restos em cima de um colchão velho ou de caixas, eles almoçaram comidas de qualidade em uma mesa com talheres. Receberam tratamento dentário, passaram pelo cabeleireiro, ganharam roupas novas, sapatos e ganharam viagens do "Programa do Ratinho".  Eles irão passar uma semana no Maranhão (aonde vive a família de Rejaniel Santos, com quem ele não tem contato há mais de 16 anos) e outra no interior de São Paulo (aonde vive a família de Sandra Domingues).
O casal também não recebeu apenas um "muito obrigado" dos sócios do restaurante japonês. Os sócios disseram que iriam arcar com as despesas caso Rejaniel quisesse voltar para o Maranhão e também ofereceram uma nova oportunidade: trabalho e cursos profissionalizantes. “Oferecemos a eles um leque de funções na empresa e o Rejaniel se encantou com o frigorífico. Acho que ficará por lá mesmo”, disse Miguel Kikuchi, um dos sócios da empresa.“Quando retornarem vão começar a trabalhar. Enquanto isso, vamos procurar um local para eles morarem. Nos surpreendeu pessoas que não têm o que comer, que estão passando frio, encontrarem algo que poderia resolver momentaneamente o problemas delas e devolver. Sem saber, optaram pela solução definitiva, que vai consertar a vida delas para sempre." Comenta o outro sócio do restaurante Daniel Uemura, que também é diretor comercial da Itiban e é ator. Uemura ainda vai levar o casal para assistir a peça "A Liga do Improviso", no qual ele atua. Rejaniel Santos e Sandra Domingues nunca foram ao teatro antes.
Agora que a história desse casal foi contada através do que foi veículado pela mídia. Algumas questões devem ser salientadas. Primeiramente, será que os dois continuarão sendo tratados dessa forma depois de algum tempo? Pois eles só estão recebendo essa benevolência com a mídia em cima. Espero que continuem sendo agraciados pelo merecimento de sua boa ação e que essa história não fique esquecida ou que eles não sejam deixados para trás quando a "fama" deles esfriar, afinal, a oportunidade da vida deles dar uma guinada surgiu com as oportunidades que eles receberam como premiação;
Outra questão importante é: por que essa história é tão surpreendente? Os dois só fizeram o que qualquer cidadão de bem deveriam fazer. Mas o que torna tudo tão inusitado é que eles fizeram o certo num país em que a malandragem e o "jeitinho brasileiro" impera. Eles poderiam ter pego o dinheiro, mas decidiram fazer o correto. Hoje em dia, numa sociedade cada vez mais individualista e dominada pelos "mais espertos", uma boa ação é digna de matéria de capa. Ainda há o fato de que o casal vive na extrema pobreza e poderia ter conseguido o dinheiro fácil, sem esforço. Muita gente deve pensar que eles foram "burros", que era para eles terem ficado com o que encontraram, afinal, "achado não é roubado". Mas a consciência e o caráter não se mede pelo nível social ou pelo poder, e sim, vem de berço. Como o próprio Rejaniel Santos disse: "A única coisa em que eu pensei foi ficar ali e acionar o 190. Quando os policiais chegaram e viram a quantia não acreditaram que eu estava devolvendo o dinheiro. Eu parei para pensar no que minha mãe falou para mim, para nunca roubar nada que é dos outros." 
Aposto que muita gente com mais escolaridade e com um conforto social maior pegaria o dinheiro e não faria o certo. Por isso o ato de cidadania do casal é considerado louvável e fora do comum.
Mas e você, devolveria?