Era uma tarde fria e nublada. Julieta tinha 20 anos e morava sozinha num lugar isolado. Ela era uma menina muito delicada, sensível e de grandes sonhos. Sonhava em ser escritora, era muito hábil com as palavras e sabia colocá-las de forma ordenada e bem alinhadas. Porém, essa habilidade só era demonstrada por meio da escrita. Ela possuía grande dificuldade em falar e se relacionar com outras pessoas e era dona de uma timidez extrema, se sentia mal até em sair de casa, portanto não frequentava festas nem possuía muitas amizades e vínculos, diferentemente da maioria das pessoas da idade dela. Ela tinha segredos que escondia de toda a família, principalmente a sua opção sexual. Sentia atração por garotas desde a adolescência, achava elas doces e amorosas, delicadas e finas, diferentemente dos homens. Mas por causa de sua inibição, nunca teve um único relacionamento. Nem havia beijado ainda.
Durante a faxina de seu lar (ou confinamento), ela encontrou um velho papel, já amarelado por conta do tempo, amassado e escondido no armário, entre uma blusa vermelha e um camiseta da banda "The Smiths". Ela desamassou e teve uma surpresa nostálgica. Era uma carta de amor escrita por ela.
Essa carta estava endereçada para uma garota que havia conhecido no cinema há um ano, chamada Mariana. Julieta não saía muito, mas quando saía gostava de procurar cultura. Ela foi num cinema chamado "Alter Ego" que só passava filmes mais alternativos. Naquele dia havia ido assistir o filme francês "Amores Imaginários". No fim do filme, ela foi fumar um cigarro quando foi abordada por Mariana. Ela pediu um cigarro e elogiou a roupa de Julieta, que estava com um vestido verde claro, cheio de detalhes em vermelho. Julieta foi perdendo a timidez ao conversar sobre as bandas que gostavas, os filmes que estavam em cartaz no "Alter Ego" e os livros que haviam lido naquele ano. Julieta começou a se sentir atraída com o encanto de Mariana, que era uma garota muito bonita, de cabelos negros, curtos e bem ondulados, usava um batom vermelho e tinha uma pele bem clara e delicada que contrastava com um vestido preto. Por um momento, Julieta se sentiu intimidada pela beleza e pelo jeito extrovertido e cativante de Mariana, pois ela se sentia feia e sem graça. Mas acabou se soltando e quebrando as barreiras da timidez, já que Mariana parecia interessada e envolvida pela conversa também. As duas trocaram endereços e telefones (Julieta não possuía computador e, com a modernidade, isso dificultava a interação social.). Além de tudo elas haviam combinado de ir na semana que vem no "Alter Ego" prestigiar mais um filme.
Julieta, nos dias seguintes desse primeiro encontro, começou a se questionar e a ser assombrada por pensamentos como "e se ela não sentir o que sinto?", "e se ela tem namorado(a)?", "o que estou fazendo é correto?". Julieta não foi no cinema como havia combinado por medo e receio. No dia seguinte pensou em se desculpar, mas não tinha coragem nem a habilidade para ligar. Resolveu fazer o que sabia melhor: escrever. Escreveu a carta pedindo perdão e contando dos seus sentimentos, porém, novamente com meio e receio, ela nunca enviou. Eventualmente, quando ela saía de casa, passava na frente da casa de Mariana, porém ela nunca aparecia e a moradia estava sempre com janelas fechadas, dando a entender que não havia ninguém por ali. Ela nunca mais viu Mariana.
Julieta pegou a carta amassada e começou a reler o que havia escrito no ano passado para a Mariana.
"Querida Mariana,
sinto muito por não ter comparecido ao cinema como haviamos combinado. Eu estava amedrontada e abalada por pensamentos negativos e avassaladores. Não consigo esquecer nem por um minuto o dia em que nos encontramos. Tive a melhor conversa da minha vida e, em um único dia, acabei me encantando com a sua presença. Você fez do meu dia o melhor que já tive. Você é o tipo de pessoa que deixa rastros de encantamento e de beleza, se tornando inesquecível com seu jeito exótico e irresistível. Sempre tive atração por garotas, mas nunca me senti tão bem em estar perto de você, mesmo que isso seja contraditório por termos ficado juntas por apenas um dia e por eu ter tido medo de encontrá-la novamente.
Sei que não posso obrigá-la a sentir o mesmo por mim, e não quero que se sintas acuada com o meu atrevimento em te dizer tudo isso, mas não controlo os meus sentimentos. Você está eternizada em meu coração e sempre vou querer o seu bem, independente de estarmos separadas nesse momento.
Com amor, Julieta."
Era uma carta simples, mas Julieta caiu no choro ao lê-la novamente. Se lembrou do único dia em que havia se apaixonado por alguém. Ela pensou em enviar, mas não sabia por onde Mariana estava, o que a deixou muito triste e abalada. Amassou a carta e jogou o lixo.
Um mês depois de ter relido a carta, Julieta abriu a correspondência, esperando receber as contas para pagar. Porém, ela havia recebido uma carta diferente, era azul-celeste com detalhes em branco, diferente de qualquer correspondência que havia recebido. Curiosa, Julieta abre e se surpreende, era Mariana.
"Querida Julieta,
desculpe-me por ter dado o endereço errado da minha casa e por não ter ido no cinema como haviamos combinado. Eu posso parecer muito segura, mas na verdade é exatamente o contrário. Eu tinha me encantado com o seu jeito meigo e tímido. Realmente tive o melhor dia da minha vida ao ter te encontrado e conversado contigo. Eu queria estar com você, mas sabia que era uma amor imaginário, assim como no título do filme que assistimos. Bem, hoje estou morando na Inglaterra, sei que nunca mais nos veremos (a menos que você queira vir pra cá), mas achei justo esclarecer as coisas e transmitir os meus sentimentos, pois você merece explicações. Espero que me perdoe por sentir medo e por ter me apaixonado por você. Queria muito te ver novamente e retomar as conversas maravilhosas que tivemos naquele fatídico dia.
Com carinho, Mariana."
Julieta não sabia o que pensar, pensou em escrever mais uma carta, mas como enviaria para a Inglaterra? Mesmo se quisesse, não tem o endereço novo de Mariana na carta. Tudo o que conseguiu foi escrever um pequeno poema pra si própria.
"Perdição
Me perdi no meio do oceano
Das lágrimas dos meus olhos distantes
Mas parece-me que você é quem se perdeu
Nas sua próprias indecisões e temores
Nunca mais nos veremos
Nunca mais, disse o corvo
Mas nunca mais esqueceremos
Daquele dia de novo
Sempre te vejo em meus sonhos
Como amores imaginários
Nunca na sua presença real
Mas sempre nos tormentos diários
Não tenho ninguém aqui
Mas tenho a quem admirar
Você não vive mais por aqui
Mas sempre irei te procurar
Nos olhos das outras pessoas
Perdidas, incompreendidas."
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
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