sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Rod

O garoto chega em casa da escola, cansado e em prantos. O pai, extremamente severo, pergunta com um tom agressivo:
- o que foi dessa vez?
O filho responde com uma voz baixa e pausada, aos soluços:
- eu... eu não quero mais viver... não quero ir pra escola... não quero mais...
O pai fica vermelho e dá um tapa no filho
-COVARDE! como pode dizer isso? Pare de chorar e vá trocar de roupa... Seja homem, moleque! Homem!
E o filho diz:
- Preciso de uma ajuda... um psicólogo talvez...
- E desperdiçar meu precioso dinheiro. Nem pensar! Isso é coisa de malucos e descontrolados, você é um menino de 15 anos, tem que estudar e jogar futebol, não pensar nessas coisas. Agora vá se trocar de uma vez! Garotos não choram, lave o rosto!
E ele, de cabeça baixa, obedeceu o pai.

Bem, partindo pelo princípio, Rod era filho único (seu nome era fruto da paixão da mãe pelo músico Rod Stewart). Sua mãe morreu por complicações do parto. Desde então o pai, Pedro (que se orgulhava do próprio nome, considerado viril) criado com muita disciplina e rigidez (seu falecido pai era um ex-militar), cria o filho sozinho com a mesma educação que recebeu. "Seja homem, trabalhe duro, não reclame" eram frases que seu pai falava muito, para que ele crescesse da "maneira exemplar". Agora ele usa os mesmos bordões para o filho Rod (por dentro, ele descontava no garoto toda a raiva de ter tido uma infância dura e da morte da esposa, mas nem ele mesmo se dava conta disso).

Pedro, na noite do mesmo dia que o filho chegou arrasado do colégio, estava na sala vendo futebol e tomando cerveja. Rod chega na sala e fala pro pai, de cabeça baixa.
- Estou sofrendo muito, cansei de tudo, de todos... Cansei...
- Fica quieto! Estou vendo o jogo.
- Preciso de ajuda!
- Vai ver TV, estudar... Puta que o pariu, chuta a bola direito, caralho!
E o filho foi para o quarto em silencio. Ficou chorando a noite inteira.

Nos dias seguintes, as conversas se repetiam. O filho queixava-se para o pai, o pai dava um sermão e mandava o garoto "sair mais de casa e jogar bola" ou mandava "estudar". Rod tentava pedir ajuda, dizia que sofria "bullying".
- Pai, eu apanho na saída da escola.
- Seja homem, garoto! Vai reclamar com a direção, mande o seu amigo se catar, sei lá, agora me deixe almoçar, tenho que voltar ao trabalho daqui a pouco! Você só arranja problema, és um garoto, vai brincar!

As conversas nem se repetiam mais. O garoto escondia sua dor e sua raiva, pois sabia que as respostas seriam as mesmas de sempre.
Um belo dia, o filho não aguentou mais e falou novamente, dessa vez com a voz mais alta e chorosa:
- Cansei. Só levo porrada! Nada melhora! Cansei dessa vida!
- Para de choramingar! Seja homem! Eu trabalho duro e não fico por aí reclamando... Vai brincar na rua de tarde, tenho que trabalhar daqui a pouco, você só vai me atrasar!
Conformado, Rod disse de forma seca e decepcionada:
- Tá bom, pai.
- Esse é meu garoto!
Mas Rod não foi brincar na rua.

Quando Pedro chegou em casa, viu algo chocante. Seu filho, enforcado com sua gravata favorita (Pedro considerava gravatas um símbolo de masculinidade e compromisso com o dever), no alto de uma haste do quarto.
Caiu em prantos, como nunca antes. Ficou se perguntando "o que houve de errado? Por que ele fez isso? Por que ele não era como os outros garotos".
Chorando muito, mas querendo descobrir as respostas de seus questionamentos. Pedro viu um bilhete nas mãos do filho enforcado. Respirou fundo e abriu a nota de suicídio. Para sua surpresa, não era nada complexa, ou que visava responder diretamente suas perguntas. As lágrimas caiam como uma avalanche pelo rosto enrugado de Pedro.

A nota dizia: "seja homem!"





Ps: O nome dos "personagens" são metafóricos e não foram "escolhidos" por acaso.

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