sábado, 17 de setembro de 2011

Noite compartilhada com as vozes interiores

Uma noite escura e fria, iluminada sob a luz do abajur velho e empoeirado. Uma caneta e um papel arrancado de um caderno são as únicas distrações, além da lua cheia que está maravilhosa.
As idéias correm como trens-bala desenfreados, que não tem destino certo para parar e nem passageiros para mudar a trajetória desconhecida. O único barulho possível de ser escutado é o dos ponteiros do relógio de parede, que está quebrado, como se estivesse atemporal.
A vontade de desistir era grande. Não que estivesse tão mal, mas a procrastinação era imensa naquela noite solitária. Como um diabinho do lado do ombro "aconselhando" a deixar tudo para trás, para mais tarde. A solidão nem é tão ruim, é a companhia mais presente durante a vida. Especialmente nos dias mais frios e tristes, quando nenhuma amizade está presente, a solidão está para acobertar todos os sofrimentos e pesares. Além de tudo, a solidão é uma amiga influente e criativa, dando idéias malucas a toda hora.
Como se acompanhasse a velocidade das idéias, o papel começa a tomar forma com os desenhos e escritos. Nem é necessário olhar para a folha, a ponta da caneta faz esse serviço enquanto ela dança a sua valsa, orgulhosa e sem um pingo de timidez.
Seria perfeito se estivesse nevando lá fora e se tivesse uma lareira daquelas, de tijolos vermelhos, como nos filmes americanos. Mas aqui o clima é limitado... Pelo menos, a imaginação permite que flocos de neve caiam na ponta da língua e derretessem quase que instantaneamente. Mesmo isolado numa casa escura e velha, quase que mal-assombrada.
Ao perceber uma teia de aranha na quina da estante, seus dedos balbuciam, começam a se movimentar no ritmo do contorno do tecido, com todos os detalhes estruturais tão magníficos e poéticos. Quanta perfeição, senhora Mãe Natureza! Quando acaba, ao olhar para o papel, vê a teia completamente sobreposta ao papel. Por cima de todos os desenhos e escrituras que estavam ali, por conta das idéias anteriores. Enfim, ainda não é tão perfeita quanto a teia de verdade, mas é como uma fotografia para lembrar sempre daquelas formas admiráveis.
O tempo voa, como um pássaro carregando comida para os seus filhotes que esperam ansiosos no ninho. A madrugada chega como um visitante esperado, mas que chega antes da hora. Hora da despedida.
- Boa noite, solidão, imaginação, procrastinação e todos os "ãos" que me acompanharam nessa noite.
- Boa noite!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A vida e a morte de João Ninguém

Ao levantar da cama numa manhã sonolenta, o rapaz desarrumado vai à passos lentos até a porta mais próxima. Tinha um nome, mas era mais conhecido como João Ninguém. Ao chegar até a porta, ele abre e ouve o rangido habitual que ela faz. Vai para a frente do espelho velho e com rachaduras nos cantos e fica minutos, vagarosos minutos, olhando seu próprio reflexo. Não por vaidade, muito pelo contrário. A auto-estima de João não é das mais altas. Ele se observa, quase que hipnotizado, para o seu rosto, pouco notado nas ruas. Ele faz uma reflexão pura sobre a sua vida ao olhar atento de seu reflexo.
Sua vida passa sob os seus olhos distraídos como se estivesse prestes à morrer, naqueles flashbacks antes do óbito que vemos em filmes e histórias de ficção. Sua vida, até o presente momento, não foi boa, mas também não foi ruim. Era uma vida simples coberta por uma mente complexa.
Lembrou-se da época de infância, jogando bola na vizinhança. Bons tempos... E a vez que caiu da laranjeira ao tentar escalá-la como se fosse o Monte Evereste. Os joelhos ralados são expressões mais puras de uma infância intensa e maravilhosa. A insistência foi tanta, que caiu uma segunda vez. Na época, ficou com raiva e chutou a laranjeira. Hoje, João percebe que cair dela fazia parte de todo um aprendizado.
Depois, lembrou se dos amores platônicos da adolescência... "Ah, como aquela garota da terceira fileira era linda." As notas baixas refletiam a concentração ínfima nas aulas, sua atenção era voltada para suas paixões não-realizadas.
No começo da fase adulta, se sentia sozinho a maior parte do tempo. Poucos amigos, muito estudo e trabalho. Sua vida meio que parou no tempo e, desde então, João Ninguém parou de viver e, hoje, ele se olha no espelho se perguntando como isso foi acontecer. Mas, ao mesmo tempo, se lembrava com prazer dos bons momentos que outrora tivera.
Depois de uma boa lavada de rosto, aproveitou que era domingo e foi para a quarto para ligar a TV e tentar relaxar. Mas uma visita inesperada estava à espera na cama.
- Quem é você? - Pergunta João, surpreso. Era uma moça muito bonita, com unhas longas e pintadas de vermelho, lábios igualmente vermelhos. Cabelos negros e na altura dos ombros. Olhos escuros como dois buracos negros. Ela deu uma risada tímida, ao ser indagada, e respondeu.
- Como você não soubesse...
- E não sei mesmo! - Clamou, de forma ríspida. Estava furioso com a invasão de sua propriedade, mas, simultâneamente, estava ansioso, excitado, como se ele quisesse ser surpreendido.
- Eu estou te esperando. Eu estive do seu lado por um bom tempo. Está preparado?
Sem entender, João gagueja, confuso e envergonhado. Não consegue pronunciar uma palavra, como se todo o seu vocabulário tivesse fugido abruptamente.
- Querido... - Disse a mulher. - Eu sou a Morte.
João ficou branco e disse, com a voz baixa e trêmula.
- M-m-mas já... E-eu t-tenho muito para viver ainda...
- João. Você não percebeu. O tempo passou e você já viveu. Você, aliás, é uma pessoa vitoriosa. Viveu, sob todos os problemas, e superou tudo isso! Você teve uma vida próspera. E não fique com medo ou triste, você vai por causa do ciclo natural da vida. Ao partir, uma nova vida será gerada no mesmo momento.
As luzes se apagaram. João e a Morte partiram para o além, após um jogo de xadrez que foi a vida, a Morte sempre dá o xeque-mate . João Ninguém nunca existiu, mas sua história, paradoxalmente, sim.